sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

III) A questão dos nomes russos e da possível origem não russa dos Ganzelevitch.


Em um passaporte emitido na França, em 1921, Yakov Ganzelevitch consta ser filho de Pierre (Piotr) e de Raïda Kusil, falecidos.


Passaporte expedido em Paris em 1921.


Esses dados estão evidentemente incompletos e dificultam a identificação de sua ascendência familiar. A razão para isso é que na Rússia os nomes das pessoas são formados geralmente por três componentes: o primeiro é o prenome, como Yakov, Piotr, Boris, etc; o segundo é o patronímico, ou seja, o nome próprio do pai acrescido da desinência “ovich” ou “evich” no caso dos homens e “ovna” ou “evna” no caso das mulheres; o terceiro componente é sempre o nome de família, no caso, Ganzelevitch, que vem dado sempre pela família do pai. Esse nome de família é usado pelas mulheres até seu casamento, quando então o substituem pelo nome de família do marido.

Nenhum dos nomes informados nesse documento contém os patronímicos; nem mesmo o do próprio Yakov. Seu nome completo, segundo a forma russa, consta, entretanto em uma autorização para viajar para a França e Suíça, obtida em Tanger no ano anterior (1920).

Detalhe da autorização emitida pela representação do governo provisório russo, em Tanger, em nome de Yakov Petrovich Ganzelevitch

A perda de informação mais relevante, contudo, é a ausência do patronímico no nome de seu pai impedindo que se identifique o nome do avô de Yakov.[1]

No nome de sua mãe, além de faltar o patronímico consta o que se supõe ser o nome de família de solteira. Como seria improvável que Yakov se enganasse ao fornecer o nome da mãe para as autoridades francesas, parece razoável supor que ela tivesse outra origem que não russa.[2]  Na verdade, nem Raïda nem Kusil parecem ser nomes russos.[3]

Fotos atribuídas aos pais de Yakov

Essa hipótese parece encontrar respaldo em um estudo recente sobre o papel de empresários na região de Tomsk, nos séculos XIX e XX, período que antecede a instauração do regime soviético e que considera Yakov como proveniente da província de Mogilev, na Bielorússia.[4]

Entre os documentos que conhecemos deixados por Yakov não se encontraram cartas que indicassem laços de família mais amplos. Mesmo porque as chances de tais cartas serem preservadas seriam muito poucas uma vez que nenhum dos filhos aprendeu russo. Nem mesmo as notas feitas em russo no verso das fotografias trazidas da Rússia tinham versão francesa. Isso significa que os assuntos e as pessoas ali retratadas só poderiam ser identificados mais tarde com base na memória dos eventuais relatos verbais de Yakov. 


Na maioria das que se encontrou nessas fotos uma anotação em francês, sua autoria é da Sra. de Mazières, a partir do que lhe teria contado Nádia ou, talvez, por sua própria interpretação. Apenas em uma das fotos encontramos uma anotação que pode ser atribuída à própria Nádia. É justamente a que indica a irmã de Yakov, Praskovia. A foto de seu irmão Nicolai está indicada por letra da Sra. de Mazières.[5]

Prascóvia Petrovna e Nicolai Petrovich, irmãos de Yakov.



Anotações no verso da foto de Prascóvia.
A inscrição em russo, a lápis, revela: "1909 ano, Maio, 3. Em Tomsk"
Em francês Nádia sobrepôs: 1904 - Paraskovia soeur papa"



Anotações no versa da foto atribuída a Nicolai.
Na inscrição em russo, à lápis, consegue-se identificar a referência ao
ano de 1906, mas não o significado da parte textual.


Uma das raras fotos de família teria sido feita em 1912, em Montreux, na Suíça e já a haviamos apresentado na postagem anterior. Essa foto não contém nenhuma anotação, conservando apenas a identificação do fotógrafo. Representa Yakov (à direita), ao lado de quem pensamos sejam seu irmão e seu pai. 

Foto dos Ganzelevitch em Montreaux, Suíça, em 1912.










[1] Não se encontrou qualquer outro documento do acervo de Yakov que esclareça esses pontos. No registro de casamento de Yakov, feito em Gibraltar a 20 de abril de 1913, obtido por Nadine Ganzelevitch em 2015 na St. Andrew’s Presbyterian Church, as referências ao pai mencionam apenas “Pietro Ganzelevitch, negociante”.[1]  Tampouco os registros de batismo dos filhos Wladimir e Nadiejna citam os nomes dos avós.[2] Consta no verso da foto acima o nome “Raissa Kapilevitch” cuja origem é desconhecida. Essa anotação foi certamente feita pela Sra. Pauline de Maziéres.  Vale lembrar que nessa época Nádia já não dispunha dos documentos antigos de seu pai, cedidos antes ao seu sobrinho Wladimir.[3] Em uma extensa lista de pessoas que viveram em Tomsk no final do século XIX e início do século XX não se encontrou o nome Kusil e tampouco Kapilevitch. (ver em http://naytisvoih.ru/).[4] Voltaremos a este tema em uma próxima postagem.[5] A foto de Praskovia contém uma anotação em russo, onde se lê: “1904 – maio – 3; em Tomsk”; também consta, em francês: “Paraskovia, soeur papa”, feita provavelmente por Nádia. A foto atribuída ao irmão tem no verso uma nota feita pela autora de “Russes au Maroc” identificando o retratado como sendo “Nicola Petrovitch Ganzelevitch”, além de uma anotação em russo, parcialmente legível, onde consta “ano de 1906”. Entretanto, elas não faz qualquer referência aos dois em seu livro.[6] Provavelmente o alemão Rudolphe Schlemmer (1878-1972), que teria aberto seu estúdio em 1910.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

II - Da Suíça ao Marrocos

Em 1912 Yakov tinha 35 anos e Annette 31. Embora não tivessem mais idade para aventuras romanescas, fugindo de suas famílias para viver uma fantasia amorosa em um país distante onde ninguém os encontrassem e despertassem de seus sonhos, foi exatamente isso o que fizeram.

O destino os juntou às margens do Lago Léman, não para uma aventura passageira mas para um compromisso para o resto de suas vidas. Que artes de Cupido os levou àquele específico lugar, naquele preciso momento? Pode-se apenas conjecturar.

Um observador distanciado daquelas emoções teria imaginado que Annette tinha outras preocupações naquele verão do que exibir suas habilidades ao piano para deleite de apreciadores da música e para auxiliar obras de caridade. Seguramente estaria cuidando, e com muita razão, como filha mais velha que era, de buscar solução para as dificuldades que toldavam o futuro de sua família à medida que se esgotassem as economias deixadas pelo pai, falecido dois anos antes.



Jane e Annette. Lausanne, c. 1912

Afinal, eram tempos em que as mulheres ou tinham maridos ou eram pobres. James Edward Moore, seu pai, embora nascido de família de artesãos  na pequena ilha britânica de Jersey, a poucos quilômetros da costa francesa, conseguira registrar-se como dentista em Londres e, depois, estabelecera-se com consultório  em Paris. [1] Alí conheceu Caroline e com ela se casou em 1880. Não há registros que tenha deixado bens. Era de Annette, portanto, a responsabilidade maior de encontrar arrimo para a velhice da mãe, Caroline, e de ajudar sua irmã, Jane, a encaminhar seu próprio futuro.  Coubera-lhe aprender as artes da administração do lar familiar e tomar lições de boas maneiras e de bem apresentar-se em sociedade. Era o que precisava para esperar o que a sorte lhe trouxesse pelo casamento.[2] Disso não podia queixar-se, pois a mãe havia nascido em Florença, no seio de uma família suíça, os Augier-Cailler, com destacada atividade no ramo de hotelaria na histórica cidade italiana.  Sua educação não ficara a dever nada pelos padrões da época, e mesmo que seu aprendizado musical tivesse sido excelente, era impossível que decidisse viver de sua arte sem que para isso tivesse que enfrentar um mundo de preconceitos.

Assim, aquela viajem à Suíça, parece ser menos um indicativo de lazer despreocupado do que a busca de apoio no seio da família materna, que seguindo as tradições de seus antepassados, se dedicavam à hotelaria na estância turística de Villars d’Ollon. Uma cidadezinha que ficava a escassos quilômetros de Montreux no romântico Lago Léman, onde estariam os Ganzelevitch hospedados.

Tudo indica que eles estivessem a passeio na Suíça, pois não havia naquele ano nada que os obrigasse a abandonar a Rússia às pressas. Não havia movimentos de perseguição aos judeus e a afirmação feita pela Sra. de Mazières de que as casas comerciais de Yakov tivessem sido incendiadas na esteira da revolução de 1905 e também pelo fato de ser ele um patrão rígido (p. 13) não encontra qualquer fundamentação. Até porque no verso da foto de uma dessas casas comerciais consta, em russo, que a mesma havia sido construída por Yakov no ano de 1908.


Nicolai, Piotr e Yakov em Montreaux, 1912[3]

Além do mais, a situação política na Europa, apesar de alguns conflitos localizados, não parecia conduzir necessariamente à guerra que se declararia dois anos depois e consumiria milhões de vidas. Tampouco se poderia considerar provável a realização do golpe comunista de 1917, fenômeno que seria viabilizado principalmente pelas derrotas russas na Primeira Guerra Mundial.

O que talvez parece razoável supor é que os Ganzelevitch tivessem ido à Suíça fazer o que muitos empresários então faziam: cuidar de seus interesses financeiros juntos a algum banco daquele país, fato suficiente para justificar a presença dos três homens da família. Naqueles tempos, como hoje, uma conta bancária na Suíça pode ser movimentada apenas com o acesso a uma senha. Os Ganzelevitch poderiam fazer suas transações em família, simplesmente compartilhando um código numérico. E em caso de alguma dúvida apelava-se apenas para a judiciosa e respeitada intervenção do rabino. Era menos complicado, não se ficava à mercê de confiscos políticos ou religiosos e não se pagavam impostos.

De qualquer modo, as grandes diferenças entre Annette e Yakov fariam com que o hipotético observador de que falamos acima julgasse improvável que daquele encontro surgisse uma relação duradoura e capaz de dar um novo sentido e rumo às suas vidas. Ela por certo jamais teria levado a sério a idéia de se adaptar à vida siberiana, ainda que lá pudesse desfrutar de excelente condição econômica. Nada tampouco indicava que o jovem e bem sucedido empresário estivesse disposto a deixar para trás seus empreendimentos e o lugar onde era reconhecido. Mas Cupido foi certeiro e fez com que o improvável se realizasse.



Annette e Yakov, 1912 (note-se que as roupas e o chapéu de Yakov são
muito similares à da foto anterior, em que aparece com o pai e o irmão em Montreaux.

No dia 12 de outubro Annette foi à Embaixada Francesa em Genebra para retirar seu novo passaporte. O documento informa que ela tinha residência em Clarens (Montreaux) e que declarava sua intenção de viajar para o Marrocos. Cinco dias depois estavam em Paris onde Annette obteve uma cópia de seu registro de nascimento. O documento contém um visto para a legação francesa em Gibraltar. Supõe-se daí que pretendiam casar-se logo em seguida, no Gibraltar. Talvez devido à burocracia mais morosa do que o previsto, decidiram atravessar o Mediterrâneo ainda como solteiros para começar vida nova em Tanger.

Por que em Tanger? Por que o Marrocos, um país ainda semi-bárbaro? Tanger era a mais próxima entrada para a África, para quem parte de território europeu e o Marrocos era um país onde já estavam instalados os interesses coloniais espanhóis e franceses. A favor do novo país ainda contava o clima, bem mais ameno dos que seus países de origem.

Para Yakov o novo ambiente não deveria parecer muito diferente da sua Sibéria, igualmente terra de aventureiros e desbravadores e de povos muitas vezes levados à força para colonizar as intermináveis savanas. Para Annette, acostumada às facilidades da vida parisiense, a diferença seria muito mais sentida, embora talvez se deixasse levar pela idéia de se tratar apenas de uma etapa passageira e que logo teria a oportunidade de voltar para um centro mais civilizado. A presença dos interesses franceses no país, alem do mais, era uma garantia de segurança e lhe dava possibilidades de continuar convivendo com a sua cultura.

No ínicio de 1913 Annette engravidou de seu primeiro filho, Wladimir. Em 30 de março ela e Yakov casaram-se em Tanger.[4] Por alguma razão formal foram obrigados a retornar ao continente europeu para formalizar seu casamento na igreja presbiteriana de Gibraltar, no dia 20 de abril.


Registro do casamento de Yakov e Annette: Andrew’s Presbiterian Church/Gibraltar
(este documento foi obtido por Nadine Ganzelevitch, em 2013)

A guerra de 1914 e principalmente a instauração do regime comunista na Rússia a partir de 1917, liquidariam qualquer pretensão de Yakov de regressar ou mesmo rever sua terra natal e os familiares que lá deixara. Consta que seu pai teria ido a Tanger, em 1913, por ocasião do nascimento de Wladimir, mas uma segunda viagem programada para o ano seguinte já não pode ser concretizada devido ao início da guerra. Por outro lado, os outros cinco filhos a que Annette daria à luz nos anos seguintes aprofundariam as raízes do casal em solo marroquino. Lá ficariam até o fim de suas longas vidas.

(versão modificada em 25/02/2016 para mencionar a passagem por Paris, a 17/10/1912).


[1] No registro de batismo de James Edward, seu pai é mencionado como sendo “dourador” (gilder). Não se encontrou nada que sustente a hipotese de Annette ter como ancestral pelo lado paterno o poeta irlandês Thomas Moore (1779-1852), como sugere a Sra. de Mazières (p. 9).  A pequena árvore genealógica dos Moore, de Jersey Island, encontrada no acervo de Nádia não permite fazer qualquer ligação com o homônimo irlandês.
[2] Em 1908 Annette havia solicitado em Paris uma certidão de nascimento sobre a qual se inscreveu a palavra “mariage”, o que sugere que estivesse em preparativos para um casamento que por alguma razão não ocorreu.
[3] A foto foi feita no estúdio do fotógrafo alemão Rodolphe Schlemmer (1878-1972).
[4] Como consta de um certificado de matrícula junto ao consulado francês em Tanger, expedido em 19/06/1923.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

I) Fotos e memórias: os acervos de Yakov Ganzelevitch e Annette Moore

Yakov Ganzelevitch era russo, natural de Tomsk, na Sibéria. Casou-se em 1912 com a francesa Annette Moore que havia conhecido na Suíça. Foram viver em Tanger, Marrocos, um pais sob forte influência francesa. Passou a adotar o francês como sua nova língua e a chamar-se “Jacques”.

Yakov e Annette tiveram seis filhos, todos nascidos em Tanger e a quem deram nomes russos: Wladimir (1913), Oleg (1915), Boris (1917), Alexander (1919), Nadejda/Nádia (1922) e Serge (1924).  Com eles as raízes do casal se agarrariam firmemente ao solo marroquino. Lá ficariam até o fim de suas longas vidas.

Independente do motivo que os levou ao Marrocos, o fato é que essa escolha acabaria proporcionando à família um distanciamento seguro das consequências da primeira guerra mundial (1914-1918) e da guerra civil na Rússia, em 1917. 

Por ter deixado a mãe e uma irmã na França, Annette nunca abandonaria suas ligações com seu país de origem. Em 1918 recebeu a visita de sua mãe em Tanger e em 1920 ela foi com toda a família passar uma temporada na França e Suíça. 

Para Yakov, entretanto, aquelas conflagrações teriam acarretado um corte definitivo com seu passado na Rússia e a perda de contato com os membros de sua família.  

Yakov tornou-se no Marrocos um empresário de obras públicas, envolvendo-se em projetos coordenados pela administração francesa naquele país. Faleceu ao 81 anos, em 1959. Annette viveu até a idade de 88 anos, tendo falecido em 1970. 

Nádia foi a última representante dos Ganzelevitch em Tanger. Ela faleceu em 2008, aos 85 anos. Seus dois filhos haviam falecido antes dela sem deixar descendentes. Todos os demais filhos de Yakov já haviam falecido e nenhum dos seus netos permanecia no Marrocos. Os seis filhos do segundo casamento de Wladimir viviam no Brasil desde 1953, e desde 1974 também Dimitri, filho de seu primeiro casamento. Os filhos de Alexander estavam radicados na Europa (Espanha e França), assim como sua primeira esposa, atualmente com 94 anos. Boris, Oleg e Serge não tiveram filhos.[1]



Cemitério de Boubana, Tanger: túmulo dos Ganzelevitch[2]

Nádia havia ficado viúva em 1948, com apenas 26 anos, e com o encargo de dois filhos pequenos. Por conta disso voltou a viver com seus pais o que a fez herdeira natural dos registros e fotos dos pais. Pouco antes de falecer ela decidiu destinar à sua sobrinha Carmen, no Brasil, as velhas fotos e documentos que guardara por tantos anos. Essa decisão talvez já a tivesse tomado anos antes, em 2005, na última vez em que estivemos com ela, em Tanger. Revelou, então, que havia ficado muito sensibilizada por havermos feito em 1992, uma longa viagem ao interior da França para conhecer seu irmão caçula, Serge, que vivera quase toda a sua vida isolado do convívio familiar, internado em uma clínica para deficientes mentais. 

Esse precioso acervo, que chegou às nossas mãos ao final de 2011, além de fotos e documentos sobre a família de sua mãe, os Augier-Moore, também um pequeno conjunto de fotos russas relacionadas com a história e a família de seu pai.[3]

Também recebemos uma cópia de uma pequena publicação em que se traçava a biografia de Yakov. A autora era a Sra Pauline de Mazières (Prascóvia Cheremeteff) que, algum tempo antes da morte de Nádia a havia procurado sob a alegação de que pretendia escrever as biografias de alguns personagens russos que se haviam destacado em Tanger no século passado, sendo o primeiro deles Yakov Ganzelevitch. De Nádia a Sra. de Mazières ouviu histórias e obteve por empréstimos grande parte da coleção de fotografias russas. 

Nádia, entretanto, não chegou a ver publicada a biografia de seu pai, só editada em 2009.[4]


Capa do livro sobre a biografia de Yakov Ganzelevitch.

A Sra. de Mazières escreveu que Yakov já trabalhava aos  quatorze anos de idade em uma mina de ouro. Pouco depois, ainda rapazote, ele havia chamado a atenção dos engenheiros que construíam a estrada de ferro Transiberiana, sugerindo traçados alternativos para a passagem dos trilhos na região de Tomsk. Por isso teria sido contratado para trabalhar na ferrovia, chegando a ter vagão próprio e até mesmo cozinheiro a seu serviço exclusivo. Aos trinta anos já havia se tornado um homem rico e um amante da música.

Também conta que apesar de todas as conquistas em sua Sibéria natal, teria deixado tudo para trás ao se apaixonar, em 1912, na Suíça, pela franco-inglesa Annette Augier Moore. Conhecera-a quando ela demonstrava suas habilidades ao piano (teria conquistado um prêmio no Conservatório de Paris) em concertos para obras de caridade. Diz ainda a autora que Annette era descendente do poeta Thomas Moore. 

A paixão foi tão grande que exigia ser vivida em um novo lugar, que nada tivesse a ver com suas vidas passadas. E assim escolheram o desconhecido Marrocos.

É evidente que as passagens relativas à vida de Yakov em Tomsk, assim como as de Annette, em Paris, soam romanceadas, talvez para realçar a paixão que os teria envolvido na Suíça, esta evidentemente verdadeira. É possível também que por conta do estado depressivo em que Nadia passou seus últimos meses de vida a Sra. de Maziéres tenha ficado impossibilitada de esclarecer com ela alguns pontos importantes da vida de seu biografado. E talvez por essa razão a história de Yakov tenha se restringido a apenas treze páginas do livro, sendo quase metade desse espaço ocupado com fotografias.  

Uma dificuldade adicional da Sra. de Maziéres terá sido o seu desconhecimento da língua de seus antepassados, o que ocorria certamente com a esposa e os próprios filhos de Yakov. Isso fica evidente ao confrontarmos seus comentários sobre as fotos de Tomsk que publicou com as anotações manuscritas, em russo, que se encontram no verso de algumas dessas imagens.

Por todos esses percalços entendemos que a versão biográfica que ela publicou pouco poderia contribuir para o conhecimento da saga de Yakov no Marrocos, e muito menos de seu passado na Rússia. Muitas dessas lacunas, evidentemente, só o próprio Yakov poderia preencher, o que não seria mais possível. Entretanto, pareceu-nos valer a pena algum esforço para explorar com mais detalhe o acervo deixado por Nádia e pesquisar as novas fontes de informações que atualmente a internet nos oferece.[5] Além disso, acreditamos que algumas das histórias de Yakov e Annette possam ter ficado gravadas nas memórias dos netos que tenham tido a oportunidade de compartilhar algum momento de suas vidas.  Este texto, portanto, assim como os que lhe devem seguir, tem o objetivo de compartilhar o acervo cuja manutenção temos hoje o encargo de conservar, e também de servir de estímulo a que todos possam trazer suas contribuições à história familiar.

A primeira e talvez mais importante descoberta realizada a partir desse acervo foi a identificação e o contato com os novos “primos” Ganzelevitch, atualmente radicados em Israel, mas nascidos na Rússia, na região de Tomsk. Com eles estamos trabalhando desde 2011 para encontrar os elementos que identifiquem com segurança os laços familiares que nos ligam e novas pistas para conhecer o passado de Yakov em Tomsk.


Notas
[1] Yakov teve ainda um filho de um relacionamento anterior ao seu casamento com Annette, cujos descendentes,, recentemente localizados, vivem no interior da França.
[2] As inscrições indicam estarem ali os restos de Yakov, Annette, os filhos Boris e Nádia, e o neto Oleg,
[3] Nádia já havia, anos antes, cedido a Wladimir, também seu sobrinho do Brasil, um conjunto de documentos que pertencera ao pai, registros esses a que tivemos acesso e fotografamos na época.
[4] É de se acreditar que Nádia não tivesse lido a versão final desse texto. A Sra. de Mazières devolveu as fotos a Dimitri Ganzelevitch, que as entregou posteriormente a nosso filho Wladimir.
[5] Inclusive no idioma russo, embora neste caso utilizando as ferramentas de tradução, ainda precárias, mas razoavelmente eficientes.